11/10/2018

Economia serrana e reação à crise

Celsoir Benetti

Escrito por:
Celsoir Benetti

Diretor
Economia serrana e reação à crise

Entrevista ao Corecon/RS com Tarciano Melo Cardoso, Economista Chefe e Sócio da área de M&A da Ferrari Gestão de Ativos, presidente da Associação dos Economistas da Serra Gaúcha (Ecoserra), Corecon-RS Nº 7901.

Qual o perfil da economia da Região de Caxias do Sul?
O perfil econômico da Serra Gaúcha é bastante concentrado na indústria, principalmente na metalmecânica. Além da indústria, desenvolveu-se ao longo dos anos uma grande quantidade de empresas nas áreas de comércio e serviços, além do turismo nas cidades em torno de Caxias do Sul. 

Como a economia local enfrentou esse período de recessão?
A economia da Serra Gaúcha passou por uma forte escalada, nos custos de produção, muito alicerçada por uma demanda acima da oferta, fazendo com que alguns setores, aumentassem seus custos fixos com investimentos necessários para atenderem a demanda, além de aumentos consecutivos no custo da mão de obra, custo de logística e principalmente custo com produtividade ou com a falta desta. Ao se entrar no período recessivo, tais custos fixos, como mão de obra e de produtividade, sobressaíram aos balanços encolhendo as margens dos negócios e tornando os balanços das companhias negativos. Vieram as demissões em grandes quantidades, as reduções de jornadas e por consequência refletidas em salários, que outrora eram engordados com grande quantidade de horas extras nas indústrias, fator este, que, já incorporado mentalmente ao salário, fora base garantidora para financiamentos de longo prazo para os trabalhadores. Com a redução deste excedente, o volume de endividamento das famílias aumentou, agravando a crise via redução do consumo, encolhendo, na sequência, setores do comércio e serviços. Não me recordo de ver antes, quadras inteiras com salas fechadas esperando por meses uma mudança de viés para que as placas de “aluga-se” fossem sucedidas por nomes de novos negócios e destaques publicitários para alcançar o público alvo.

Já se pode perceber sinais de retomada da economia da região?
Se não há sinais de escalada de crescimento, ao menos nota-se uma estabilidade, diferente dos períodos anteriores de queda livre de indicadores. Tínhamos ao início do ano, um brilho no olhar dos empresários, que aparecia como um suspiro de esperança após longos períodos de duras perdas. Todavia, ao passo em que alguns tropeços de políticas e de reformas estruturais vinham tomando forma, traduzindo-se em indicadores econômicos mais tímidos, a confiança dos agentes econômicos acaba relembrando o passado recente e os projetos que estavam em trajetória ascendente para implantação de curto, médio e longo prazo, perdem sua velocidade de execução. Claro que, comparada ao ano anterior, a evolução da economia local é sem dúvida perceptível, com aumento de produção, redução da ociosidade nas fábricas e nos estoques.

Que setores vêm se destacando positivamente?
No acumulado de 12 meses todos os setores vêm apresentando indicadores positivos. Merece destaque a indústria, que é o grande motor da economia de Caxias do Sul, o qual chega a 8,5% no acumulado de 12 meses findos em agosto. Este setor emprega grande quantidade da população e sua retomada acaba aquecendo os setores do comércio e serviço, onde este último, alcançou a marca de 9,6% em 12 meses. No caso do comércio, o retardo na chegada do inverno fez com que os resultados dos comerciantes fossem prejudicados, principalmente aqueles dependentes das datas festivas, ocasionando um aumento significativo nos prazos médios de estocagem e por consequência, aumento na necessidade de capital de giro.

Algum setor ainda apresenta dificuldades de reação?
Dificuldade de reação é uma questão muito delicada de se tratar. Nota-se que há uma evolução em todos os setores, todavia a confiança dos agentes econômicos foi muito prejudicada nos últimos períodos. Logo, ao passo que os resultados vão se consolidando, esta confiança aumenta e a retomada ganha robustez. Fato recente foi a crise dos caminhoneiros que, mesmo afetando a economia, não fez mudar o viés de retomada. Por outro lado, acionou um sinal de alerta, visto que instabilidades podem surgir e, a depender da intensidade destas instabilidades, o grau de confiança dos agentes econômicos pode ser prejudicado, reduzindo a intensão de consumo, bem como, de investimentos.

Como está o índice de desemprego na região?
O mercado formal de trabalho vem apresentando índices positivos no agregado de 12 meses de 2018, com exceção do comércio em Caxias do Sul, que ainda apresenta índice negativo. Em geral o mercado vinha em redução acelerada nos postos de trabalho, onde em quatro anos foram mais de 20mil postos de trabalho extintos em Caxias do Sul, porém em 2018 mais de 25% desta queda foi recuperada, com forte representatividade na indústria.

Que tipo de experiência se pode tirar dessa crise?
Vejo que os principais ensinamentos que deveremos guardar é que, planejamento deve ser estudado e revisado com muita cautela. O que mais se ouviu nos últimos tempos foi “a culpa é da crise”. Claro que diante de crises agudas como a recente, não há instrumentos que possam precificar, até porque, sua evolução e amplitude se dão no agregado e com redução expressiva da confiança nos agentes econômicos. Todavia, a Economia é a ciência que estuda a utilização dos recursos escassos, quando passamos por tempos de bonança ou falsa bonança, financiados por algum consumo acima do ponto de equilíbrio, que apresentará em sua sequência um ajuste para o centro da meta ou para o ponto de equilíbrio. Porém, estávamos acostumados a receitas de gestão de negócios, onde a análise superficial de indicadores macroeconômicos era utilizada sem filtro ou a devida análise de variações em cenários e seus respectivos planos de ação preventivos, fora descartada em prol de agilidade no processo orçamentário. E quando instaurou-se a desconfiança dos agentes econômicos, nos restou apenas culparmos a crise, pela falta de gestão público e privada.

De que forma os empresários vêm acompanhando o cenário mundial?
Caxias e a Serra Gaúcha, tornaram-se uma região, assim como, praticamente todas as outras extremamente conectadas com o mundo. Bastante prejudicada com a questão de logística para chegada de matéria prima e saída de produto acabado, mas que tem seus olhos voltados para a economia e tendências globais. Assim como os aspectos acima citados, todo o movimento nas transações comercias entre as nações, taxações americanas e restrições a produtos de outras nações, fazem com que o empresário, insira em suas análises mais um fator de risco a ser condicionado em seus planos de ação para mitigar possíveis resultados contrários ao planejamento. Entretanto, isto gera da mesma forma oportunidades de negócio e tudo passa por uma questão de análise e capacidade de adaptação às incertezas presentes, tanto no cenário nacional, quanto internacional.

Como a alta do dólar nos últimos dias vem sendo recebida pelos empresários? 
A alta do dólar é um fator preocupante, pois ela afeta nos custos de matéria prima, bem como, de logística. Entretanto, para setores exportadores o dólar em alta e algo positivo. O que torna a capacidade de gerir mais vulnerável são as oscilações da moeda, bem como, a estrutura de instrumentos de hedge e equilibrar esta volatilidade cambial, ao nível ótimo de produção, custo marginal e necessidade de capital de giro.

Existem expectativas de ampliação dos negócios? 
No setor real da economia e estruturada como está a matriz econômica da Serra Gaúcha, a ampliação de negócio é algo natural. Não há outra forma. Existe uma grande quantidade de pessoas nesta região, que precisam suprir suas necessidades básicas de sobrevivência. Claro que existem riscos e questionamentos quanto a cenários macroeconômicos, mas os conceitos da microeconomia, onde o interesse individual prevalece e acaba por beneficiar a sociedade a sua volta vão sobressair. Pode haver alguma consolidação de mercado, a capacidade de mutação dos agentes econômicos é significativa. O setor privado e a população são demandantes de reformas estruturais, às quais vão acontecer. Investimentos precisam acontecer, se não com administração pública direta, parcerias público privadas ou totalmente privadas, surgirão remodelando a logística, equilibrando a equação de capital e trabalho, movimentando a economia, retomando a confiança, investimento e consumo.

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